Juridiquês. Por que "a linguagem do Direito é complicada"? Quando isso é um problema e como solucionar?

Com certeza vocês já ouviram alguém falar: "A linguagem do Direito é complicada", "tem outra língua no curso de Direito". Esse locutor está, de certa forma, correto. A "linguagem do Direito" que ele trata é a jurídica!

Assim como diversas outras ciências, o Direito também conta com uma linguagem técnica própria, exigindo do profissional o uso correto da linguagem, cujo significado deve ser preciso.

Dentre as disciplinas do curso de Direito a que necessita de um estudo de linguagem maior é o Direito Civil, visto que ao lermos ele sentimos a comunicação um pouco mais rebuscada, formal e jurídica do que no Código Penal, por exemplo. Isso se deve a origem do Código Civil, pois foi baseado no Direito Romano, principalmente, no livro Corpus Juris Civilis. Assim, ainda encontramos traços do Direito Romano no Direito Brasileiro, além do latim!

O cuidado que o Direito deve dispor em relação ao juridiquês deveria ser o de evitar incorretas interpretações daquilo que se busca exprimir e combater os excessos de linguagem praticados por seus operadores, o qual mantém afastada a sociedade do meio jurídico e dos seus significados, fazendo com que tudo no Direito seja visto como complicado e que os direitos e deveres pareçam cada vez mais distantes de serem alcançados e realizados.

Como lembra Kaspary (2003), o que se critica “é o rebuscamento gratuito, oco, balofo, expediente muitas vezes providencial para disfarçar a pobreza das ideias e a inconsistência dos argumentos”.

O próprio legislador também poderia originar o problema na aplicação do juridiquês. Logo, deu-se a criação da Lei Complementar n.º 95 de 1998 para evitar esse impasse e dispor sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, estabelecendo em seu artigo 11 alguns parâmetros para que as normas possuam um teor minimamente inteligível:  

"Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;
b) usar frases curtas e concisas;
c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;
e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;
II - para a obtenção de precisão:
a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma;
b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;
e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;
f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes; (Incluída pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)
III - para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens."

Porém, ainda é comum haver leis que violem a clareza e a precisão, tornando-se verdadeiros enigmas para a população.


Consoante a isso, devido aos excessos, o juridiquês foi deixando de ser uma linguagem meramente técnica para verificarmos que ele se tornou um reflexo do formalismo extremo, sendo fortalecido por uma falsa crença de que um bom texto ou um bom discurso seria aquele abarrotado de expressões em latim, onde os brocardos jurídicos (também chamados de axiomas ou máximas jurídicas) despontam, recheado de frases e expressões arcaicas e rebuscadas, além da incontável quantidade de “sinônimos” empregados para designar uma mesma sentença ou um simples termo, como observamos o exemplo abaixo:
(A Palavra "Petição Inicial", recebendo "sinônimos" juridiquês):
  • peça atrial;
  • peça autoral;
  • peça de arranque;
  • peça de ingresso;
  • peça de intróito;
  • peça dilucular;
  • peça gênese;
  • peça ovo;
  • peça preludial;
  • peça primígena;
  • peça umbilical;
  • peça vestibular.
Além disso, percebe-se também a capacidade do juridiquês de criar neologismos, como constatamos exemplos nessas sentenças seguidas pelo significado que deveriam expressar:
  • Aresto doméstico: alguma jurisprudência do tribunal local;
  • Digesto obreiro: Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
  • Ergástulo público: cadeia;
  • Exordial increpatória: denúncia (peça inicial do processo criminal);
  • Repositório adjetivo: Código de Processo, seja Civil ou Penal.
Na busca por uma solução para esse vício que tomou conta do meio jurídico, realizou-se em 25/09/2003, na cidade de Recife, o “Simpósio Nacional Direito e Imprensa”, organizado pela então presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a juíza federal Margarida Cantarelli, onde a própria definiu a importância de se buscar soluções para esse problema. A juíza também destacou como essa linguagem floreada prejudica o andamento dos processos enquanto países como os Estados Unidos, por exemplo, adotam um texto jurídico mais objetivo e claro, muitas vezes até limitando o número de páginas destinadas às petições.

Faz-se mister salientar que o profissional do Direito tem uma função social a cumprir e que uma comunicação eficaz é aquela que permite a plena compreensão da mensagem transmitida, possibilitando assim sua efetivação e o mais célere feedback possível.

Compete, principalmente aos novos aplicadores do Direito, os quais por não terem tido tanta proximidade com o latim, que selecionem as suas formas de expressão e linguagens de forma a evitar que a mensagem se perca no caminho ou que gere interpretações equivocadas.

Autoria

Edeline Soares Fernandes;
Francisco Márcio Pinheiro.

Referências:

ANDRADE, Valdeciliana da Silva Ramos. O Certo e o Errado no Discurso. Disponível em: http://www.direitolegal.org/seus-direitos/o-juridiques-e-linguagem-juridica/. Acesso em 08/01/2018.

Costa, José Maria da. Direito e Linguagem Científica. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI102880,11049-Direito+e+linguagem+cientifica. Acesso em 08/01/2018.

KASPARY, A. J. Linguagem do direito. 2003. Dis­ponível em: http://dc439.4shared.com/doc/_xmoM4pj/ preview.html. Acesso em: 08/01/2018.

BRASIL. Site Planalto. Lei Complementar n° 95 de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp95.htm Acesso em: 08/01/2018.

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